Em A Introdução à Filosofia da Arte, Benedito Nunes coloca: “O espaço e o tempo são, para Kant, formas de sentir, que estruturam as percepções ou intuições, matéria-prima do conhecimento, e que dão origem à experiência sensível”. Kant defende ainda,que as experiências sensíveis são previamente condicionadas pelo espaço e pelo tempo. Esta interferência do espaço e do tempo que acontece em todas as obras de arte, se faz sentir de forma arrebatadora na arte contemporânea e, em especial, na Land Art.
Um dos trabalhos mais conhecido na Land Art, senão o mais conhecido é Spiral Jetty de Robert Smithson, nele, as questões de tempo-espaço são essenciais à conformação da própria obra, fazendo parte de sua essência. A obra é feita de pedras de basalto negro que foram colocadas e ajustadas em uma longa linha reta de aproximadamente seiscentos metros a partir da praia do Great Salt Lake – Utah, a qual termina em três espirais, os quais, segundo Arthur Danto em seu artigo “O Sublime Americano” se parecem olhando de cima a: “...um cajado de bispo com uma virada peculiarmente ornamental. Tem a característica de desaparecer e reaparecer, o que de certa forma lhe dá um toque mágico.”
Para Danto Spiral Jetty transcende a Land Art, como é caracterizada pelos críticos, para se tornar um emblema do Sublime Americano. “Spiral Jetty se ajusta à noção de Kant de significado sem nenhum sentido específico.” A obra foi submersa e emergiu várias vezes coberta por uma densa pátina de cristais de sal, proveniente do Great Salt Lake, até sua desaparição. A cada emersão, a obra se recriava e trazia em si um novo arrebatamento aos poucos felizardos que a visualizavam, já que a mesma se encontra em local de difícil acesso, sendo visível somente quando se alcança a margem do lago.
A questão do lugar, a ocupação do espaço, a instalação da obra no próprio espaço, são questões cruciais na obra de Smithson. A evidência desse espaço, do lugar instalado, onde a obra efetivamente acontece, é a consciência do espectador da obra em si. A construção dessa verdade espacial, que se completa através de seu negativo, dos vazios existentes, da percepção do todo, através de uma consciência maior de espaço-tempo, onde espaço, vazio e tempo se fazem presentes e essenciais à existência da própria obra, em conjunto com a percepção da mesma pelo espectador, constituem o âmago de Spiral Jetty.
A questão do tempo é crucial em Spiral Jetty. O tempo na obra não é absoluto, mas um momento, onde se dá a relação com o outro e através dela a interação com a obra. Neste momento, a obra é viva, é aí que ela se completa, com a consciência que o outro toma dela, ou, através dela, de sua própria efemeridade. Nesta relação com o tempo, defendido por Kant, onde ele é percepção, intuição e origem da própria experiência sensível é que a obra se consuma. Concomitantemente o tempo é presença fundamental para a experimentação e compreensão da experiência artística, principalmente após a instituição do vazio no fazer
artístico.ROBERT SMITHSON
A questão do tempo, dos cheios e dos vazios, a ocupação do espaço, do lugar e seus limites, convergem para a compreensão da obra. Pode-se dizer que a Instalação e a Intervenção, assim como a Land Art, é a construção de uma verdade espacial em lugar e tempo determinado, ao mesmo tempo em que é passageira, é presença efêmera que se materializa de forma definitiva apenas na memória. O sentido de tempo, no caso da fruição estética da obra efêmera é o não-tempo, onde esta fruição se dá de forma imediata ao apreciar a obra in-loco, mas permanece em sua fruição plena como recordação. É deste conceito, onde o espaço e o tempo são questionados incessantemente, que brota a obra efêmera, como Spiral Jetty.
Spiral Jetty traz em si a grandiosidade e o arrebatamento tanto da obra, como, da natureza, do ambiente onde esta se instala. A grandiosidade presente neste trabalho de Smithson so o eleva a uma transcendência no fazer artístico que se aproxima do sublime. “O sublime é alheio à conceituação justamente porque ele é a manifestação do ilimitado.”
Este vídeo, mostra um pouco sobre a obra Spiral Jetty de Smithson;
Smithson, ao escrever sobre a obra coloca que: “A pureza lógica inesperadamente se encontra em um terreno pantanoso e dá as boas vindas ao evento inesperado. Em Spiral Jetty o surd assume e nos leva a um mundo que não pode ser expresso por números ou racionalidade. Ambiguidades são admitidas ao invés de serem rejeitadas, contradições são ampliadas ao invés de serem reduzidas – a lógica mina o verbo. A pureza é colocada à prova."
A pureza apregoada por Smithson em muito diverge daquela em voga à época em que Spiral Jetty foi realizada, em 1970. Nesse período a pureza artística ainda guardava resquícios dos textos de Greenberg nos anos 1960, onde ele argumentava que: “A pureza estética solicitava a eliminação de qualquer arte de qualquer coisa que não pertencesse ao meio que a definisse. Pintura, por exemplo, deveria se tornar plana e abandonar a figuração, que sugere uma relação com a realidade tridimensional que vai além dela, enquanto a escultura teria que rejeitar qualquer qualidade pictórica.” . A pureza de Smithson está relacionada à essência da obra e a liberdade artística da mesma. Como previu Duchamp, “o fim da atividade artística não é a obra, mas a liberdade. A obra é o caminho e nada mais.”
Em Spiral Jetty de Robert Smithson a obra é livre em sua grandiosidade e em sua efemeridade, permanecendo perene somente como memória. “O trabalho é tão evasivo como é persuasivo, e, mesmo pertencendo ao seu momento na história, ele também tem o ar atemporal de um antigo monumento deixado para trás por uma civilização já desaparecida.”. Spiral Jetty está acima das interpretações rasas; sua grandiosidade, magnitude e arrebatamento a alçam a exemplo máximo do sublime na obra de Smithson e provavelmente na obra de toda uma geração.
Na contemporaneidade, esse arrebatamento é colocado novamente à prova pelos artistas Christo e Jeanne-Claude, em sua obra de 2005, The Gates, realizada no Central Park em Nova Iorque. A obra consiste em 7.503 “portais”, com altura variando entre 1,65m a 5,48m, dependendo dos 25 caminhos diferentes possíveis ao longo de 37 km dentro do Central Park.
Ao contrário da obra Smithson que ficava em local de difícil acesso e com isso foi contemplada por poucas pessoas, a obra de Christo e Jeanne-Claude foi locada em um parque público de um grande centro urbano, de uma das maiores metrópoles do mundo, Nova Iorque. Mesmo sendo uma obra land art, de certa forma, já que está em um parque, esta obra também se caracteriza como intervenção urbana e uma de grande impacto.
A fruição da mesma se da de forma distinta da de Smithson, já que milhares de pessoas atravessaram The Gates durante os 16 dias em que a obra esteve montada. Isto também a diferencia, seu tempo é distinto, já que tem data certa de início e fim, ela, ao contrário de Spiral Jetty não tem o propósito de se auto-findar e de ressurgir vez por outra, cada vez de forma distinta. Ela não tem em si a força da natureza que Spiral Jetty tem, mas uma força de interação com o espectador, que em grande parte é um transeunte do tecido urbano que se depara com a obra e ao longo de seu caminho passa a fruí-la.
Assim como na obra Smithson, o tempo e o espaço são cruciais na obra de Christo e Jeanne-Claud, a ocupação do espaço, a forma como a obra se insere no espaço, a interação da mesma com os caminhos já existentes no Central Park, enfim, o espaço é essencial na própria concepção da obra, sendo esta por excelência um obra in-situ, ou seja uma obra feita para um local específico, se a mesma fosse realizada em qualquer outro espaço, seria outra obra. Esta obra tem portanto, não só o espaço como algo determinante, mas também o tempo, já que a mesma foi feita para durar um tempo limitado, foi criada para ser efêmera, uma obra, um acontecimento e depois... memória. Mais do que um evento, a obra se apresenta como um fazer artístico cujo discurso permanece mesmo quando a obra se dá de forma efêmera permanecendo apenas como memória.
A obra então, acontece em espaço e tempo determinado e permanece apenas enquanto memória, dessa forma ela transcende o espaço-tempo e conquista um significado maior dentro do escopo da arte. “...Toda instalação institui um lugar que é tanto um lugar como topos físico da obra quanto um lugar de produção de arte como questão.”. A obra permanece então de forma perene enquanto memória.
The Gates assim como Spiral Jetty está acima de interpretações rasas por motivos distintos. Em Spiral Jetty, Smithson alcança o exemplo máximo do sublime americano, como Danto determina; através da grandiosidade, magnitude e arrebatamento da própria obra. Já em The Gates o arrebatamento se da forma totalmente distinta, a obra não se caracteriza por ser comparada a uma força da natureza, ela não alcança o sublime em si, mas, através da ocupação do espaço. A obra colocada em local urbano e por isso mesmo, percebida e vivenciada por milhares de pessoas traz o arrebatamento coletivo, uma fruição distinta, ela também é grandiosa, tanto em dimensões como em impacto, já que ela se impõe dentro do caminho percorrido por milhares de pessoas diariamente. No entanto, o espaço ocupado por ela, nos 16 dias em que ela aconteceu, se modificou não só fisicamente, mas também de forma subjetiva, já que os caminhos por ela apropriados não eram mais percorridos apenas por seus usuários de sempre, mas por aqueles que pretendiam presenciar a obra.
O espaço e o tempo então se tornam novamente essenciais à própria obra, sendo que ambos modificam o desenho urbano momentaneamente e através deste nova a relação com o outro, se colocam definitivamente como atores complementares da mesma em uma relação eterna. Mutável, porém eterna enquanto memória. As questões pertinentes ao tempo e ao espaço são primordiais para a compreensão da obra. Dessa forma The Gates alcança de forma distinta de Spiral Jetty o sublime.
OBRA DE CHRISTO E JEANNE-CLAUDE,
OBRA DE CHRISTO E JEANNE-CLAUDE,
Nenhum comentário:
Postar um comentário